O dia 18 de maio é marcado como o dia nacional da Luta Antimanicomial. Em Piracicaba comemoramos esta data com um evento realizado no Salão Nobre do Colégio Piracicabano, no dia 25 de maio de 2011. Esse espaço foi palco de um debate intitulado “Consolidação das redes de Saúde Mental: Novos Desafios”, com o intuito de colaborar para uma melhor visualização do cenário atual da rede de Saúde Mental no município de Piracicaba. A mesa foi composta por representações de diversas instâncias que compõem a rede de Saúde: a Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba, Conselho Municipal de Saúde, Conselho Regional de Psicologia SP - Subsede Campinas, Secretaria Estadual de Saúde e representantes da Associação “De Volta Pra Casa” de Santo André/SP. Assim, usuários dos serviços de saúde mental, seus familiares, profissionais, estudantes e demais interessados se reuniram com a finalidade de refletir e debater acerca das conquistas e desafios no processo de cuidado e defesa dos diferentes modos de ser, bem como a transformação da relação cultural da sociedade com as pessoas que sofrem transtornos mentais.
São 24 anos de luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental e de combate à ideia de que se deve isolar essas pessoas do convívio social. Por esta razão, o Movimento da Luta Antimanicomial tem como meta a substituição das instituições manicomiais por serviços dignos e diversificados que atendam as diferentes formas e momentos em que o sofrimento mental surge e se manifesta.
Muitas têm sido as conquistas, como os serviços de Atenção Básica (PSF, UBS, UPA), os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), as Residências Terapêuticas, os Centros de Convivência e leitos de internação em Hospitais Gerais. No entanto, mesmo sendo uma política reconhecida pelo Governo Brasileiro, pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) muitos são os desafios que se apresentam na implementação e qualificação de todos estes serviços e a realidade da cidade de Piracicaba não se diferencia do contexto nacional.
O primeiro questionamento que se apresenta é: quantos CAPS existem em Piracicaba? De acordo com a Prefeitura Municipal, através de seu website, existem cinco deles no município. No entanto, há indicativos de que apenas um CAPS seja credenciado pelo Ministério da Saúde, o CAPS II - Bela Vista, que atende aproximadamente três mil usuários de Piracicaba e região. Os demais se configuram como Ambulatórios de Saúde, que diferentemente dos CAPS, não atendem aos requisitos de uma rede substitutiva aos serviços manicomiais. Além disso, um desses “supostos” CAPS, o CAPSad (Álcool e Drogas), está localizado em uma região da cidade de difícil acesso e sem a equipe mínima necessária para os atendimentos. E segundo a lei, baseando-se no número de habitantes, Piracicaba deveria ter no mínimo quatro CAPS funcionando especificamente na saúde mental.
Vale lembrar que os CAPS fazem parte de uma ampla rede de atenção em saúde mental e devem oferecer atendimento e tratamento especializado à população de todas as faixas etárias e apoio às famílias, retirando o foco da internação psiquiátrica em locais isolados e restritos, promovendo autonomia e possibilitando aos usuários, permanecer em suas casas, podendo assim desfrutar da convivência social e de um tratamento ampliado.
A partir disso, podemos levantar mais duas questões: a primeira se refere à importância da implementação de um CAPS III (com atendimento 24hs) para o acolhimento das crises dos usuários de Saúde Mental de Piracicaba e região, o que resultaria na diminuição expressiva do número de pedidos de internações em hospitais psiquiátricos. E segunda é sobre a condição da estrutura física do CAPS II - Bela Vista, denunciada pelos próprios usuários dos serviços.
Outro aspecto a ser discutido refere-se ao Serviço Residencial Terapêutico (SRT), que foi instituído pela Portaria/GM 106 de fevereiro de 2000, e que faz parte da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), são centrais no processo de reinserção social dos cidadãos egressos dos hospitais psiquiátricos.
Para se ter uma idéia, atualmente 49 piracicabanos estão internados em hospitais psiquiátricos da região, embora já tenham recebido alta. Fato agravado pela ausência dessa rede de Serviço Residencial Terapêutico, que serve para abrigar os pacientes que estiveram internados em hospitais psiquiátricos e que tem seus direitos garantidos por lei (10.216 de 2001 e Portaria/GM nº 1.220 - De 7 de novembro de 2000).
Piracicaba conta com apenas uma Residência Terapêutica masculina que acolhe oito moradores e, no mínimo, há 7 anos, o município permanece sem nenhum avanço visível para atender as necessidades da referida população. Nesse sentido, as perguntas que se colocam são: Para onde vão esses 49 cidadãos que se encontram trancafiados nesses hospitais? E a demanda feminina? Onde estão as usuárias egressas de hospitais psiquiátricos? A verba destinada a essas internações não seria mais bem aplicada na criação e manutenção das residências terapêuticas?
Mais um desafio a ser equacionado diz respeito às dificuldades de encaminhamento entre os diversos serviços da rede de atendimento de saúde do município. Tais dificuldades parecem impossibilitar o diálogo entre os diferentes profissionais das equipes e imobiliza a implementação de políticas de integralidade, equidade e universalidade do SUS, ou seja, contrária à proposta de rede integrada e de política de “Porta Aberta” que garante a acessibilidade dos serviços a toda população.
Assim, qual seria a eficácia de um único médico ser a referência para realizar atendimentos para toda cidade e região na rede de Saúde Mental? Diante de toda sobrecarga de atendimentos, como podem os profissionais participar de maneira efetiva nas reuniões de equipe e outros espaços de interlocução e produção de saber na construção de uma rede de trabalho em saúde?
Diante desses dados apresentados e discutidos no referido evento, a U-TOPOS - Associação de Saúde Mental, Educação e Direitos Humanos e o Conselho Regional de Psicologia SP - Subsede de Campinas, compartilha esse texto com a sociedade civil e gestores públicos como um instrumento de análise e revisão das práticas de atenção e gestão da Saúde Mental do município de Piracicaba. Vamos continuar com a discussão, o questionamento e a vigilância acerca dos desafios e impasses que enfrentamos nesse momento. Destacando que, para isso, o Conselho Municipal de Saúde configura-se como um espaço de participação e reinvindicação da sociedade para os necessários esclarecimentos dos poderes executivo e legislativo da cidade.
Todo cidadão tem o direito fundamental à liberdade, o direito de viver em sociedade, e o direito de receber cuidado e tratamento sem que para isso tenha que abrir mão de seu lugar de cidadão.

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