Por Letícia Ribeiro Borges Benevides
(Mesa redonda "Educação inclusiva e Inclusão pelo trabalho" - 21/09/2011)
Pensar a inclusão, há algum tempo, é obrigatório para todos mas principalmente para professores e outros profissionais ligados a educação ou que trabalham com pessoas com deficiências e alterações significativas do desenvolvimento. Hoje, aqui, mais uma vez nos reunimos para pensar e discutir questões relativas a esta temática. A inclusão é um movimento que valoriza a diversidade, sinaliza a necessidade de se garantir o acesso de todos a todas as oportunidades, independente das peculiaridades de cada indivíduo. Nesta direção, há mais de uma década, fomos impelidos a rever a história e a prática da escola, visando não só o aprimoramento do trabalho desenvolvido mas também a procura de uma forma de “pagar” a dívida histórica acumulada durante anos de uma prática educacional excludente e segregadora. Assim, passamos a rever o conceito de homem, de aluno, de escola, e aquela educação conteudista que visava formar indivíduos, num formato único. Passou a ser urgente uma mudança conceitual e prática na educação. Precisávamos mudar a forma de educar para equiparar as oportunidades e construir uma escola aberta para todos.
Hoje, incluir ou não, não é mais nossa questão. Isto é fato. Considerar e garantir o espaço de direito de cada um num grupo instituído já é lei, inclusive. Certamente cada um de nós aqui poderia relatar experiências – vividas ou testemunhadas – de crianças e adolescentes incluídos em escola regular, o que já é um avanço se considerarmos nosso ponto de partida. Mas ter algumas experiências de inclusão de sucesso não tem se mostrado suficiente. Ao contrário, essas experiências tem levantado novas e desafiadoras questões, além de apontarem para a necessidade de alcançar sucesso em tantas outras histórias que também conhecemos. As questões mais importantes hoje parecem ligadas as maneiras de ampliar esta condição de abertura para todas as diferenças, de garantir não só a convivência e o lugar de direito de todos como também educação de qualidade e, sobretudo, as formas pelas quais todos podemos (e devemos) nos colocar como agentes desta mudança. O grupo, a necessidade da crença no diálogo e de uma atitude de alteridade parecem hoje condições fundamentais para a continuidade da construção desta nova escola. É preciso que nos conscientizemos do papel de cada um na transformação ou estagnação do trabalho educativo e que busquemos juntos soluções para as questões que se colocam. Infelizmente a atuação na escola ainda é muitas vezes (pasmem!) solitária. Apesar de falarmos de um local de grande circulação onde inclusive existem momentos instituídos para trocas e diálogos (como o HTP, por exemplo), pouco se costuma ver de trabalhos efetivamente em conjunto. As experiências que temos até então, mostram que é possível sim reconstruir as formas de trabalhar em sala de aula, privilegiando a participação e a evolução social e pedagógica de todos, mas desde que muitos estejam envolvidos neste processo. Independente de quem esteja na “linha de frente”, é necessário que nos conscientizemos de que os problemas são nossos e, conseqüentemente, a busca por solucioná-los também é nossa. Trabalhos em rede certamente são mais produtivos e acabam se tornando menos dispendiosos para todos os envolvidos.
Mas, diante de tantas demonstrações de egoísmo e intolerância em nossa sociedade não parece ambicioso demais falar em amenizar o peso que historicamente foi dado as diferenças e cultivar construções coletivas? Como cultivar a diferença como potência em uma sala de aula quando diferenças – muitas vezes ínfimas – são tratadas nas ruas, nas famílias, e também nas escolas, como impossíveis de serem toleradas? Como prezar pelo respeito a todos quando nossas crianças são desrespeitadas até mesmo em suas casas ou pelo estado? Como mostrar a importância do afeto na relação com os outros se muitos em nossa sociedade atual não reconhecem a existência de alguém que não seja si mesmo? Como trabalhar na contramão destas manifestações sociais que testemunhamos todos os dias?
Parece que aí reside não só o maior desafio atual (o de construir uma escola aberta para todos diante de tantas demonstrações de intolerância e desrespeito) como também um dos grandes motivos para continuar a trabalhar nesta direção. Enquanto testemunhamos histórias absurdas de intolerância dentro e fora dos muros da escola – os casos de bullying são exemplos disso –, encontramos, como foi dito antes, histórias de crianças realizadas e se desenvolvendo muito dentro de salas de aula onde, apesar das inúmeras dificuldades, predominou o afeto e o respeito; predominou a consideração de que o outro, independente de sua forma física, mental, de sua condição financeira, ou qualquer outro aspecto que o diferencie, é importante para o grupo. Crianças e adolescentes muitas vezes “desacreditados” descobrem em si e no grupo, formas de lidar com suas dificuldades e com as dificuldades alheias. Enquanto muitos se colocam como centro do mundo e negam a diferença, podemos buscar nestas experiências uma espécie de combustível para continuar, almejando realmente que a escola seja entendida como território da criança e do desenvolvimento de sua potência, tenha ela as características que tiver. Com isso certamente ajudamos também a criar cidadãos mais justos e tolerantes que possam, num futuro próximo, conviver plenamente.
Diante de tudo isso, concluo que efetivamente são nossas atitudes e nossa persistência que fazem diferença no resultado desta construção. E algumas dessas atitudes, acredito, são condições para a efetivação deste trabalho. A primeira é Acreditar, acreditar que é possível. É o começo de tudo, afinal como podemos construir algo se não concebemos ao menos na imaginação sua existência? Depois, é essencial o estudo e logicamente não me refiro somente a cursos e livros, mas a reflexão e a investigação da nossa prática, qualquer que seja nossa especialidade ou área de atuação. Estudar a criança, os alunos, procurar conhecer as características e a forma de aprender de cada um, enfim saber de onde iremos partir em busca de melhores resultados. A terceira é ter coragem, para arriscar, inovar, experimentar... Acredito que grande parte das descobertas neste percurso surgiu de experimentações corajosas. De pessoas, que ao invés de reproduzir, experimentaram novas formas de fazer as mesmas coisas. A quarta e, para mim a mais fundamental delas, é que tudo isso fazemos melhor se fizermos em grupo, juntos, envolvidos, não só pela importância das construções coletivas mas também por que acredito que é na relação verdadeira que podemos nos desenvolver como profissionais, alunos e seres humanos. Talvez seja aí, na relação e consideração verdadeira do outro, que possamos encontrar as mais surpreendentes respostas para nossas perguntas.
E, como psicóloga não posso deixar de salientar a importância do trabalho com a educação inclusiva. A atuação nessa área tem se mostrado extremamente enriquecedora para a psicologia clínica na discussão de seus alcances e desafios atuais, e elucidação de seu potencial transformador em âmbito coletivo; além de ir ao encontro com tendências contemporâneas de abordagem da saúde mental, baseadas nos princípios éticos antimanicomiais.
Para concluir, na construção desta nova escola, aberta para todos, não cabem mais reclamações ou tentativa de culpabilização. O momento exige de nós trabalho, parcerias, reflexões, tentativas, esforço... todos já sabemos que não é uma tarefa fácil mas seguramente é uma tarefa que cabe a nós.
“É fundamental romper com o conceito de normal como igual e adotar que normal é a diversidade. Somos seres únicos e portanto incomparáveis. Ninguém é perfeito todos temos deficiências. Esses é um dos nossos pontos comuns. (...) temos (...) mais potencial internalizado do que somos capazes de demonstrar. Todos nós somos um vir a ser.”
(Evanir Abehaim)